terça-feira, 6 de março de 2012

"NÃO ADIANTA TER INVESTIMENTOS SEM INFRAESTRUTURA"


O presidente Sérgio Marques fala em entrevista concedida ao Jornal Tribunal do Norte sobre as instalações dos parques eólicos e sobre a cidade de Guamaré.
Sérgio Marques, presidente da Bioenergy
A Bioenergy inaugurou, na última semana, o primeiro parque eólico privado do Brasil: o Miassaba 2, em Guamaré. O contrato foi assinado ainda em 2009, quando o setor vivia uma indefinição. A ideia de entrar no mercado livre quando as regras ainda estavam sendo criadas partiram de Sérgio Marques, presidente da empresa.

Segundo ele, a escolha era uma questão de sobrevivência. Ou procurava novos clientes e se mantinha no mercado. Ou mudava de ramo, como muitos fizeram. Nos últimos dez anos, a realidade mudou. Empresas vendem energia eólica, cada vez mais competitiva, tanto em leilões do governo federal quanto no mercado livre.

 O país também ganhou centenas de parques, e a energia eólica, um espaço cada vez maior na matriz energética brasileira. Sérgio acredita que em dez anos a eólica representará até 20% da matriz. Hoje, a participação não chega a 2%. Ele continua apostando alto. Enquanto todos se voltam para eólica, Sérgio já investe em energia solar. Para o executivo, que não parece disposto a abrir o capital da empresa e descarta aquisições no momento, o segredo é estar preparado para as oportunidades. É sobre esse cenário, sobre investimentos e infraestrutura que ele fala nesta entrevista à TRIBUNA DO NORTE. 



A Bioenergy foi a primeira empresa a comercializar energia eólica no mercado livre.

Como surgiu esta ideia? 

Até 2009, não existia uma visão de contratação em eólica no Brasil. Se você analisar a história da eólica no mundo, verá que a tecnologia tem menos de 20 anos. A hidreletricidade no Brasil tem 120. A termeletricidade tem 100 anos. Em 2007, ninguém acreditava em eólica. Para uma empresa, era muito ruim. Não havia para quem vender energia. Foi quando a gente começou a garimpar clientes, entender o mercado, contratar gente para comercializar esta energia. Não foi uma coisa rápida, não foi fácil. Mas nos antecipamos vendendo energia eólica no mercado livre. 'Tivemos visão?'. Tínhamos na verdade uma necessidade. Era necessário criar mercado. Era a vida da empresa. De 2009 para cá, isso mudou. Ocorreram vários leilões nos quais a energia eólica está inserida. Então tudo isso colabora muito para eólica. 

Foi uma ideia que surgiu do entendimento de toda a empresa ou de uma só pessoa?

Foi uma decisão minha, mas devido a ausência de outro ambiente. Como só havia dois ambientes de comercialização - o regulado (através dos leilões realizados pelo governo federal) e o livre (através de leilões realizados pelas próprias empresas), e o regulado não abria muitas oportunidades, pensei 'vamos para o mercado livre'. 

Houve receio de não dar certo?

O receio era não vender. Se tornar sempre uma tecnologia a margem. Não conseguir desenvolver o plano de negócios da empresa. Eu viajava e  via a energia eólica se desenvolvendo em todos os países, na Europa toda, nos EUA, e me perguntava: 'porque não no Brasil?'. A visão que a gente tinha do negócio é 'poxa isso pode até demorar, mas vai chegar'. É a mesma coisa com energia solar.  Tem  ambiente? Tem legislação? Tem alguém comprando? Não. É cara? É. Mas tem que investir. Você vê o mundo todo investir. Você vai na China, na Europa, você vai na África, você vê isso acontecendo. Como é que não vai vir para cá? É uma questão de tempo. Antes um produto ou tecnologia demorava quatro, cinco anos para chegar ao Brasil. Hoje, leva dois anos, um. Minha visão de eólica lá atrás é a visão que tenho hoje da energia solar. Como empreendedor, preciso estar sempre um passo a frente. Estou num mercado que é dominado por grandes empresas, onde há a presença de multinacionais, com grande poder financeiro. Eu tenho que ter algum diferencial. Se eu não tiver, fico para trás. O nosso feito (ter entrado no mercado livre quando ninguém imaginava que isso era possível) acabou sendo notório. Mas eu acho que o mérito da Bioenergy foi ter insistido, mantido o foco. A gente está com dez anos de empresa. Neste tempo, muita gente mudou de ramo, porque  não pôde ou não quis insistir e ficou no meio do caminho. 

A Bioenergy foi criada em 2002. Quantos parques já implantou e vai implantar até 2014?

No Maranhão, 50 projetos, com capacidade instalada de 1.450 megawatts (MW) e no Rio Grande do Norte, 7 parques, com capacidade instalada de 470 MW. 

Novos planos para o RN?

Tem quatro parques contratados aqui, do leilão de 2009 e 2010. A obra começa agora no segundo semestre no município de Caiçara do Norte. Os parques começam a gerar a partir do segundo semestre de 2013. 

Quantos empregos serão gerados?E quanto será investido?

Cerca de 1,2 mil empregos, na fase de construção. E R$ 500 milhões.

Afora esses quatro parques eólicos, ainda há espaço para Bioenergy investir no RN? 

Há espaço. O potencial é muito bom. Eu acho que o Rio Grande do Norte carece é de investimento em estradas, linhas, conexões elétricas, devido a quantidade de parques que estão sendo instalados aqui. Não adianta ter um grande volume de investimento, uma grande oferta de projetos, se não tem uma infraestrutura que comporte estes investimentos.

O Rio Grande do Norte perdeu posições nos últimos leilões, embora ainda seja líder em oferta de energia no Brasil. A que se deve esta retração? Infraestrutura carente?

Se você olhar o número de projetos contratados, o Rio Grande do Norte ainda é o líder, mais do que o Ceará. O mercado vive um período de maturação. Essa arrefecida não se deve a nenhum problema estrutural ou problema governamental. Eu acho normal. Os investidores que construíram os parques no RN foram os primeiros a emplacar projetos nos leilões de 2009 e 2010 e estão começando a entregar. As empresas agem como a Bioenergy. Entregamos estes dois parques, recebemos, já vamos investir nos outros. Essa visão de sempre contratar  mais e mais não funciona muito para energia.  Eu vejo assim. 

O leilão A-3/2012, considerado o maior envolvendo eólica já realizado, ocorrerá este mês. A Bioenergy vai participar? Com quantos parques?


A gente tem 470 MW. São 15 projetos, todos para o Maranhão.

Nenhum para o RN?

A gente já começou a construir novos parques no RN. No Maranhão, há uma quantidade de áreas conjuntas muito boas. A gente terminou agora um ciclo de investimentos de três anos.

Qual a expectativa para este leilão? Há uma meta?

Vai depender de tarifa. Se for uma tarifa muito baixa, a gente entende que é melhor esperar um bom momento para comercializar esta energia. 

Até porque a tarifa (valor pago pelo KW/h nos leilões federais) tem caído muito.

Muito. Isso diminui a rentabilidade dos projetos até torná-los inviáveis. A minha expectativa é contratar os 15, se as tarifas estiverem boas. Se estiverem num nível intermediário, contrataremos num nível intermediário. Se estiverem num nível baixo, contrataremos um número pequeno de parques. E se estiverem muito baixas, não contrataremos. 

Foi a queda gradativa da tarifa para eólica que levou muitas empresas para o mercado livre?

Isso.

Vocês acabam de inaugurar dois parques em Guamaré, município que concentra muitos parques e recebe muitos royalties, mas não consegue se desenvolver. Quase metade da população daqui ainda vive abaixo da linha da pobreza. Porque municípios não conseguem aproveitar as oportunidades trazidas pela eólica?

Guamaré é uma cidade rica em recursos, mas não consegue transformar esta riqueza em benefício para população. É mais uma questão estrutural. Se você olhar para Arábia Saudita verá países biliardários, mas com uma população pobre. Esta forma de divisão tem que ser revista, tem que ser repensada. Você tem um impacto maior de contratação na fase de implantação, quando emprega um contingente maior de mão de obra, e depois um contingente muito menor, na fase de operação. Então, o maior benefício é na carga de impostos. É preciso saber aproveitar isso. 

Em Galinhos, a comunidade se posicionou contra a instalação de novos parques eólicos, afirmando que eles prejudicavam pesca e turismo. Como avalia este tipo de situação?

Tenho uma visão bem prática. Estou há dez anos no Rio Grande do Norte.  Eu vivenciei os primeiros licenciamentos ambientais. Sou muito cético quanto a estes movimentos contrários. Até hoje eu não vi nenhum movimento contrário fundamentado 100% em ideologia. Energia eólica não traz nenhum tipo de resíduo. Você vai ser contrário a isso? Eu não tenho uma cerca nesta área. Não atrapalho pesca. Um parque nosso, inclusive, virou ponto turístico em Pipa. Não vi ninguém deixar de vir, porque tem aerogerador. Pelo contrário. Visivelmente é interessante. Não há ruído.  Eu acho que tem que ter uma boa convivência com a comunidade.  Também considero importante ver realmente o dano, a fundamentação, e analisar a coexistência das atividades.

A Bioenergy instala parques. Há possibilidade, mesmo remota, de a empresa começar a produzir peças?

Não. Nosso foco é realmente instalar parques. Não temos interesse de produzir peças nem de comercializar. 

Por onde a mercadoria de vocês entra? Pelo Porto de Natal?

Entra de diversas formas. As torres entraram pelas rodovias. As pás entraram pelo Ceará e chegaram ao RN pelas rodovias e as ásceles vieram pelo Porto de Natal.

Você falou que o Estado carecia de investimentos em determinadas áreas. Como você avalia a nossa infraestrutura?

Não é só a infraestrutura do RN, mas a infraestrutura do Brasil todo (que carece de investimentos). O Porto de Natal é um porto urbano. Você não consegue fazer um raio de curvatura no centro de Natal. É bem complicada a logística. Mas não vou dizer que foi um erro. Ninguém previu energia eólica há 30, 40 anos. Fazia todo o sentido construir um porto naquele local há 20, 30 anos. Só que a economia mudou e é preciso algumas adequações. É necessário construir um posto mais afastado, como o de Pecém, no Ceará. A infraestrutura precisa de atualização e de investimento. Um porto específico para grandes equipamentos fora do centro urbano. 

Hoje a energia eólica representa 1% de nossa matriz energética. Qual sua previsão para os próximos dez anos?

Dizíamos antes que a energia eólica era uma energia complementar. Eu mudei meu pensamento. A capacidade é muito grande. Se vai crescer 5, 10, 20%, não importa. É preciso planejamento. Há espaço para todas as fontes. Mas acredito que a eólica  passar a representar até 20% da nossa matriz energética em 10 anos.

Fonte: Tribuna do Norte

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